sábado, 21 de agosto de 2010

Day 1

Acordei cedinho com o despertador, e logo em seguida bateram na porta trazendo o café da manhã. Fiquei feliz em ver movimento naquele andar, e principalmente, luz. Me troquei, coloquei o avental e sai para passar visita aos pacientes. De dia o corredor não parecia tão assustador quanto parecera na noite anterior, a cozinha em frente ao quarto onde eu dormira estava a todo vapor com um cheiro agradável de comida.
Subi para o andar dos pacientes e comecei a andar pelo corredor, e o que mais me chamou a atenção foi os diferentes cheiros que eu conseguia sentir ao andar pelo corredor. Era cheiro de gente, urina, cigarro de palha, teve um quarto que fedia fezes porque um paciente estava fazendo suas necessidades de porta aberta, cheiro de produto de limpeza....foi uma confusão de odores, que logo acabei me "adaptando" a isso, porém não ao cheiro de cigarro de palha em que é fumado pelos pacientes lá. è um odor muito forte, doce, e o dia todo, chegava a me embrulhar o estômago as vezes, e confesso que até depois continuei sentindo aquele cheiro em mim.
Comecei a passar a visita em um quarto feminino (dos dois em que há lá) onde havia 6 leitos, todas senhoras. Enquanto minha colega examinava algumas, eu examinava outras. Examinei uma cadeirante que foi muito receptiva e demonstrou muita felicidade em nos ver. Fiquei surpresa com o afeto delas. Seguindo o corredor passei em um quarto onde haviam três rapazes, relativamente jovens perto dos outros pacientes, todos lúcidos, estavam lá mais por fraturas para se recuperarem e não terem família. Me senti bem em saber que teria pacientes lúcidos do qual poderia haver uma certa comunicação.
Enquanto caminhava pelo corredor indo de leito em leito os pacientes dos outros quartos caminhavam, saíam para a área externa, todos nos dizendo bom dia, alguns vindo nos cumprimentar. As enfermeiras nesse horário passavam de quarto em quarto dando banho nos pacientes, trocando suas roupas e a limpeza lavando os quartos. Fazia tempo que não via pacientes serem tão bem tratados, ainda mais que muitos são acamados, ou se sujam na roupa. Abençoadas são essas pessoas que cuidam com o amor nos olhos.
Continuando a visita passei por alguns leitos que já não eram mais como os das fraturas. Alguns pacientes que não respondem, alguns que só dão risada, outros que se comunicam do jeito deles, por mais diferente que seja... alguns não percebem nem que eu estive lá, e outros que devem ter percebido porém não esboçado nenhum sinal ao me ver. Lembro de ter me deparado com um paciente se rastejando de quatro pelo corredor, pensei em ajuda-lo a se levantar, mas ao final de dois dias percebi que mesmo de pé ele só andava se rastejando pelas paredes....
Cada paciente com uma história, com um jeito diferente, porém todos ali necessitando de uma mesma coisa, uma atenção, por menor que fosse. Teve até um paciente que veio falar comigo no corredor, forte, de cor negra, com uma muleta, dizendo que já estava me observando há tempos esperando eu passar no leito dele, porém que eu ia, vinha e nada de passar no leito dele. Eu disse que passaria em breve, mas perguntei se ele necessitava de algo, e ele se queixou de dor no local de sua lesão. Implorava por um analgésico intramuscular...quando disse que faria a vontade do homem ele saiu "satisfeito" pelo coredor aguardando a enfermeira para fazer a aplicação.
Fui procurar alguns pacientes na área externa, onde ficam fumando e tomando sol, conversando e rindo, mas não consegui ficar muito, aquele cheiro de fumo me embrulhava demais o estômago....

Estágio Novo

Semana passada me ocorreu uma oportunidade nova, de fazer um estágio em um hospital não essenciamente psiquiátrico, porém um hospital de resguarda, mais para pacientes que não tem família, ou que ficam lá por estarem em estágios avançados. Com uma certa empolgação eu aceitei e fui fazer o estágio lá que consistia em um plantão de 24 horas, porém acabei fazendo na escala um plantão de 48 horas.
O hospital se localiza em uma área isolada, em meio a um matagal, área não povoada, parecido aos hospitais psiquiátricos antigos. O caminho me fazia pensar que estava indo para "a casa da colina" (filme em que pessoas passam a noite em um hospital psiquiatrico antigo que ficava no meio do nada...). Confesso que senti um pouco de medo, do que poderia encontrar, de como seria, e se precisasse de alguma coisa naquele meio de nada?
Quando cheguei me deparei com um hospital com suas características bem antigas, bem arrumado, porém com aqueles pisos antigos, pinturas típicas de antigamente. O que me chamou a atenção primeiramente foi o primeiro andar, andar em que eu plantonista ficaria, sem uma iluminação....aquilo me gelou, uma impressão de filme mesmo.

Em seguida subi no segundo andar para buscar as prescrições com as enfermeiras e dar uma olhada para ver como eram os pacientes que estaria cuidado. Já eram por volta das 8 da noite e a maioria já estava deitada em seus leitos. O ambiente neste andar era mais amigável, mais iluminado e movimentado. Preferia dormir ali do que sozinha só eu e minha colega em um quarto em um corredor escuro e sem uma alma viva, somente nós duas.
Foi quando fui recepcionada por J. um paciente que estava no corredor, e se apresentou querendo saber se eu era a estagiária de plantão da noite. Troquei meias palavras e acabei descendo para o quarto terminar as tarefas da noite.
Uma tortura descer as escadas e passar naquele corredor...mas logo entrei no quarto, e eu e minha colega fizemos as tarefas da noite para levar de volta para a enfermagem de plantão. Se estivesse sozinha, certamente custaria em subir dinovo.
Mais uma tortura em descer por aquele corredor, mas dessa vez não haveria mais necessidade de sair do meu quarto naquela noite, e para desestressar ficamos eu e minha colega conversando e vendo filmes, até que o sono chegou e cochilei.

De volta à lucidez......

Fiquei muito tempo sem postar aqui, gostaria de pedir desculpas aos que seguiam e liam o blog, mas infelizmente o tempo me tomou e também um desâmino devido a problemas relacionados ao próprio estágio em que fazia na Psiquiatria.
Voltarei a postar agora, tenho certeza que nada ocorre por acaso em nossas vidas, e mais uma vez me encontrei em novas oportunidades de vivências nessa área, a qual contarei no próximo post.
Voltando para o mundo lúcido dos que vivem fora desse.....

sábado, 28 de fevereiro de 2009

O buraco....

Fico me perguntando até onde o ser humano pode chegar, se é que há algum limite. Demorei um pouco para postar essa história, mas foi um dos casos que mais me chamou a atenção nesses 3 anos...um caso que fiquei muito pensativa.
Um dia quando cheguei na enfermaria veio uma mulher, de uns 40 anos (dificil saber pois geralmente elas aparentam maior idade do que a real...) me pedindo cigarro (como muitos fazem ao os verem entrar...lá eles podem fumar cigarros, mas é controlado) eu disse que não fumava e segui corredor até o consultório. Logo em seguida o médico a chamou para conversar, fiquei bem curiosa para saber o caso daquela paciente.
Ela parecia muito bem, lúcida, alegre e sorridente. Ao perguntar o motivo de sua internação a resposta foi muito direta: "Porque sou drogadita doutora". Fiquei surpresa com tamanha franqueza já que a maioria dos pacientes viciados muitas vezes não assumem que possuem vício a drogas.
Ao contar sua história, disse que era usuária de crack, que já havia passado por outras internações anteriores, mas que havia voltado ao vício. Tinha uma filha que não morava com ela. Contou que achava algo terrível um vício como aquele, e que sabia que com o crack só havia dois fins: morte ou cadeia. Foi quando o médico disse que ela já estava de alta, mas ques achava que ela devia permanecer mais alguns dias (claro, se ela quisesse)...Eu não entendendo muito bem perguntei o porque, e ela disse que quando estava na rua usando antes de ser internada, entrou em dívida com quem fornecia para ela, e ela não tiha o dinheiro para pagar. Disse que agora de alta ia ao banco (lembro que disse que ia se arrumar toda como nós, as estagiárias para ir até o banco bonita...rs) pedir um empréstico para pagar essa dívida. Quando perguntado o que ela faria caso não conseguisse, ela sorriu e disse: "Ah, aí é caixão né...".
Nunca me esquecerei a frieza dessa paciente ao rir sabendo que sua vida corria tanto risco...ela disse que sabia que estavam atrás dela, e o que ela poderia fazer? Ela se meteu nisso, então ou coseguia o empréstico, ou caixão....
Nunca mais vi, nem ouvi falar nessa paciente.
Mais um triste relato relacionado com esse submundo das drogas, que esta bem abaixo dos nossos narizes e muitas vezes não fazemos idéia de como é....


Quero deixar aqui uma letra escrita por Arnaldo Antunes, que me faz lembrar muito não somente a vida desses pacientes que estão internados, mas também dessas pessoas em situações como dessa relacionadas com as drogas. Mostra o desespero interno de uma pessoa....

"o buraco do espelho está fechado
agora eu tenho que ficar aqui
com um olho aberto, outro acordado
no lado de lá onde eu caí
pro lado de cá não tem acesso
mesmo que me chamem pelo nome
mesmo que admitam meu regresso
toda vez que eu vou a porta some
a janela some na parede
a palavra de água se dissolve
na palavra sede, a boca cede
antes de falar, e não se ouve
já tentei dormir a noite inteira
quatro, cinco, seis da madrugada
vou ficar ali nessa cadeira
uma orelha alerta, outra ligada
o buraco do espelho está fechado
agora eu tenho que ficar agora
fui pelo abandono abandonado
aqui dentro do lado de fora."


domingo, 22 de fevereiro de 2009

Ouvindo vozes....

Devido a minha volta as atividades acadêmicas fiquei um tempinho sem postar aqui....mas de fim de semana tentarei sempre dar uma atualizadinha. Todos os comentários que me deixam estou respondendo logo abaixo de onde foi deixado! Fico feliz de ver que alguns colegas compartilham o mesmo gosto na medicina.
Me perguntaram se já vi algum caso de psicose, a resposta é que já vi vários, já que há muitas doenças com quadros psicóticos, especialmente a Esquizofrenia.

A primeira vez que vi uma paciente com esse quadro foi logo no começo do meu estágio, sua doença em si não me lembro bem, mas achooooo (não tenho certeza) que era TOC (transtoro Obcessivo Compulsivo). Lembro que a paciente contava sua história, mas ao mesmo tempo parecia muito incomodada com algo não identificável. Comecei a perceber que em certas horas ela não estava conversando nem com o médico, nem conosco, e sim parecia estar falando sozinha e para dentro (chamamos isso de Mussitar). Foi então que o médico perguntou a ela se por acaso ela estava vendo ou ouvindo algo, e ela respondeu airmando estar ouvindo vozes.
O que exatamente essas vozes falavam não me lembro muito bem, mas lembro que essas vozes a xingavam, diziam coisas ruins para ela, as vezes até a incentivando a se matar....(imagino como dever ser horrível alguém na sua cabeça fazendo isso e não ter como tirar, já que é algo que não "existe"...)

Respondendo a pergunta para determinados estados psicóticos como era o caso dessa paciente, geralmente se usa os medicamentes "antipsicóticos" para o controle desses sintomas. Alguns nomes famosos são o Haloperidol (famoso Haldol) , Droperidol e alguns neurolépticos.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

O que é real?

Na maioria das vezes eu fico sentada na maca do consultório onde o médico/prof atende os pacientes internados. Junto comigo geralmente estão mais alguns colegas. Os pacientes se sentam de frente para o médico na mesa.
Certa vez estava conversando com o médico uma paciente, e enquanto isso, entrava toda hora no consultório uma outra paciente, e parecia estar um pouco exaltada. Toda vez que entrava na sala pedia alta (algo muito comum.....irem atrás do médico pedindo alta...um dia escreverei todas as tentativas que já ouvi para conseguirem alta...) e toda vez o médico pedia para ela se retirar e esperar a vez dela de ser "entrevistada".
Quando finalmente a chamamos ela já entrou pedindo sua alta ao médico em um tom um pouco exaltado. Quando o médico nos apresntou a ela como estagiários, ela fez uma cara feia e disse que odiava estagiários da medicina....Depois de um certo tempo, se sentindo mais confortável com nossa presença, ela voltou a insistir que gostaria de sair dali e começou a dizer o porquê.
Disse ao médico que eles tinham um filho....(sim, ela e o médico tinham um filho juntos na cabeça dela) e que ele havia tido esse filho graças a um encontro que eles tiveram uma vez no shopping da cidade. O médico ao desmentir delicadamente a situação para ela, a deixou um pouco mais exaltada e foi quando ela o chamando por outro nome que não o dele, tentou lembrar-lo de que ele deu de presente de casamento para ela uma viagem de lua de mel para portugal de navio, e insitia em perguntar se ele não se lembrava....(e o chamando por um nome que não o dele).
Sem pausa em sua fala, imediatamente já emendou que o cigarro era free azul e não o vermelho!! (???).
Ao perceber que a conversa não fazia sentido, o médico tentou cortar sua fala, e foi quando ela voltou a pedir sua alta, que não aguentava mais ficar lá e queria sair. Ao negar mais uma vez delicadamente, a paciente se exaltou de uma maneira que eu fiquei a postos se precisasse sair correndo.....Bateu com a mão (grandona diga-se de passagem...) na mesa do consultório fazendo um barulhão, disse algumas palavras desagradáveis e saiu da sala.
Aquele dia posso afirmar que senti um certo medo!
Infelizmente o diagnóstico dessa paciente eu não me lembro, mas acho que era esquizofrenia. Certamente sei que o quadro que ela apresentava era um quadro de delírio, dado que ela dizia ter um caso e filho com o médico (que não era real, claro) e o chamando por outro nome (me pergunto até hoje se ela via outra pessoa no lugar do médico....).

Explicando melhor o delírio.....

Um delírio é definido geralmente como uma falsa crença e é usado na linguagem formal para descrever uma crença que é ou falsa, irreal ou derivada de fraude. Em psiquiatria, a definição é necessariamente mais precisa e implica que a crença é psicopatológica (o resultado de uma enfermidade ou de transtorno mental).
Delírios ocorrem tipicamente no contexto de
doenças mentais ou neurológicas, embora não estejam ligados a qualquer moléstia em particular e tenham sido encontradas no contexto de muitos estados patológicos (tanto físicos quanto mentais). Todavia, elas são de particular importância no diagnóstico de desordens psicóticas e particularmente na esquizofrenia.
O filósofo Karl Jaspers foi o primeiro a definir os três critérios principais para que uma crença seja considerada delirante, em seu livro General Psychopathology:
1 - certeza (mantida com absoluta convicção)
2 - incorrigibilidade (não passível de mudança por força de contra-argumentação ou prova em contrário)
3 - impossibilidade ou falsidade do conteúdo (implausível, bizarro ou patentemente inverídico)

(Wikipédia).

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Luz no fim do túnel....



Acredito que a maioria das pessoas pensem que a Psiquiatria é uma áera muito pesada, muito triste da Medicina. Não discordo na maioria das vezes, mas já me peguei em várias situações alegres e engraçadas, com pacientes que por mais duro o momento que estejam passando, tentam levar o problema de um modo um pouco menos drástico, ou também alguns pacientes realmente não tem noção do que estão dizendo (mas esses geralmente também não tem mais noção do que estão passando).
Uma vez tive o prazer de conhecer uma dessas pessoas. Era uma paciente internada por possuir o Transtorno Afetivo Bipolar (explicado mais tarde). Nova, uns 30 anos no máximo e umas das poucas pacientes que vi "de boa" ali (claro, ela ainda estava em sua maníaca, fase do bom humor exaltado, por isso estava assim....). Mas sua história já não era tão "feliz" como aparentava. Vinda de um bairro humilde da cidade, contou que em sua casa não se dava bem com o marido e muito menos com os vizinhos, e relatou vários episódios em que os vizinhos jogaram pedras e até urina nela (isso por era ser considerada como "louca"). Não aguentando mais os maltratos e associado a um dos seus episódios maníacos, ela simplesmente saiu de casa andando pelas ruas da cidade (se não me engano andou horas e horas sem rumo....o que por sinal já ouvi mais de um relato desse com pacientes bipolares). Chegou a ficar em uma casa abandonada com alguns homens que nem conhecia antes de ser internada.
O motivo real pelo qual foi internada infelizmente não me lembro, mas certamente estava associado a sua saída de casa...
Lembro que até hoje ela foi a única paciente que não queria ir embora do hospital. Me dizia que gostava de lá, pois lá ela tinha roupa, comida e todos a tratavam bem, porque iria querer ir embora?
No hospital ria, cantava rock e era especialista em massagens. Sim! Adorava fazer massagem e conversar. E realmente foi uma das pacientes que mais gostei de conversar, com ela o astral era positivo, algo difícil de se encontrar por lá....



O Transtorno Afetivo Bipolar (antigamente chamado de Maníaco-depressivo) é um transtorno de humor em que o paciente intercala uma fase maníaca, de agitação, entusiasmo com uma fase depressiva, de lentidão, tristeza. Essas fases podem durar anos, meses, semanas, dias ou até mesmo horas e entre essas fases o paciente pode ter períodos de normalidade.
Durante a fase depressiva, o paciente pode se sentir culpado por atos feitos, sentir uma tristeza grande, perda da libido, distúrbio de apetite entre outros sintomas comuns na depressão.
Na fase maníaca é comum o paciente ter um sentimento de superioridade, ser eufórico, falar alto, ter grande idéias, ser desinidido entre outros sintomas.


Aqui vai um vídeo que achei muito interessante, mostrando que é uma patologia mais comum do que imaginamos.....