sábado, 28 de fevereiro de 2009

O buraco....

Fico me perguntando até onde o ser humano pode chegar, se é que há algum limite. Demorei um pouco para postar essa história, mas foi um dos casos que mais me chamou a atenção nesses 3 anos...um caso que fiquei muito pensativa.
Um dia quando cheguei na enfermaria veio uma mulher, de uns 40 anos (dificil saber pois geralmente elas aparentam maior idade do que a real...) me pedindo cigarro (como muitos fazem ao os verem entrar...lá eles podem fumar cigarros, mas é controlado) eu disse que não fumava e segui corredor até o consultório. Logo em seguida o médico a chamou para conversar, fiquei bem curiosa para saber o caso daquela paciente.
Ela parecia muito bem, lúcida, alegre e sorridente. Ao perguntar o motivo de sua internação a resposta foi muito direta: "Porque sou drogadita doutora". Fiquei surpresa com tamanha franqueza já que a maioria dos pacientes viciados muitas vezes não assumem que possuem vício a drogas.
Ao contar sua história, disse que era usuária de crack, que já havia passado por outras internações anteriores, mas que havia voltado ao vício. Tinha uma filha que não morava com ela. Contou que achava algo terrível um vício como aquele, e que sabia que com o crack só havia dois fins: morte ou cadeia. Foi quando o médico disse que ela já estava de alta, mas ques achava que ela devia permanecer mais alguns dias (claro, se ela quisesse)...Eu não entendendo muito bem perguntei o porque, e ela disse que quando estava na rua usando antes de ser internada, entrou em dívida com quem fornecia para ela, e ela não tiha o dinheiro para pagar. Disse que agora de alta ia ao banco (lembro que disse que ia se arrumar toda como nós, as estagiárias para ir até o banco bonita...rs) pedir um empréstico para pagar essa dívida. Quando perguntado o que ela faria caso não conseguisse, ela sorriu e disse: "Ah, aí é caixão né...".
Nunca me esquecerei a frieza dessa paciente ao rir sabendo que sua vida corria tanto risco...ela disse que sabia que estavam atrás dela, e o que ela poderia fazer? Ela se meteu nisso, então ou coseguia o empréstico, ou caixão....
Nunca mais vi, nem ouvi falar nessa paciente.
Mais um triste relato relacionado com esse submundo das drogas, que esta bem abaixo dos nossos narizes e muitas vezes não fazemos idéia de como é....


Quero deixar aqui uma letra escrita por Arnaldo Antunes, que me faz lembrar muito não somente a vida desses pacientes que estão internados, mas também dessas pessoas em situações como dessa relacionadas com as drogas. Mostra o desespero interno de uma pessoa....

"o buraco do espelho está fechado
agora eu tenho que ficar aqui
com um olho aberto, outro acordado
no lado de lá onde eu caí
pro lado de cá não tem acesso
mesmo que me chamem pelo nome
mesmo que admitam meu regresso
toda vez que eu vou a porta some
a janela some na parede
a palavra de água se dissolve
na palavra sede, a boca cede
antes de falar, e não se ouve
já tentei dormir a noite inteira
quatro, cinco, seis da madrugada
vou ficar ali nessa cadeira
uma orelha alerta, outra ligada
o buraco do espelho está fechado
agora eu tenho que ficar agora
fui pelo abandono abandonado
aqui dentro do lado de fora."


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